sexta-feira, 24 de junho de 2011

Igreja do Convento de Jesus (Lisboa)




A Igreja e Convento de Nossa Senhora de Jesus / Paroquial das Mercês (Lisboa)

(Desenho de Luís Gonzaga Pereira, in "Descripção dos Monumentos Sacros de Lisboa", 1833-1840)
(*) Texto revisto em 3 de Janeiro de 2012 de acordo com a seguinte fonte: Academia de Ciências de Lisboa, Série Vermelha, MSS 619, fols. 179-183)

A fundação desta casa religiosa é antiga, em 1583 vieram de S. Simão d'Almada os padres que o povoaram e a obra principiou com licença do Senado da Câmara e por Provisão do arcebispo D Jorge de Almeida, dada em 26 de Outubro de 1584 – «Licença para edificar um Convento nos Cardaes do Vale da Esperança, instituindo o Mosteiro de Jesus da Penitência do Pe. S. Francisco, a favor do Provincial da Ordem de S. Francisco» (AHPL, CEL, L. 6 / Ms. 702, f. 94).
O edifício levantou-se num sítio denominado o «Valle da Esperança» onde Luiz Rodrigues de Pedroza e sua mulher tinham uma Ermida dedicada a N.ª Sr.ª de Jesus e um cardal de que fizeram doação aos religiosos com licença dos vereadores da Câmara e consentimento dos moradores do lugar. (*)
No entanto as dificuldades foram muitas, apesar do convento ter sido aprovado por Breve de Sisto V concedendo-lhe muitas graças e indultos, os terceiros tiveram contendas, não com os seculares que lhes deram muitas esmolas para a dita obra, mas com outros religiosos (dos Padres Observantes da Províncial de Portugal de S. Francisco) e por invejas e más informações acabariam  expulsos das casas na «última oitava do Natal de 1585» por ordem do Cardeal Alberto, Legado A Latere do St.º Pontífice e Governador do Reino de Portugal. (*)
Ficaram pois as obras paradas até que em 4 de Abril de 1593 por Despacho de D. João de Lucena Homem (Desembargador, Vigário Geral de Lisboa e do seu Arcebispado a quem o Santo Papa havia legado a execução da Breve de Erecção e Confirmação) se confirmou a erecção do mesmo. Deste modo  só em 4 de Outubro de 1595 (*) foi possível começar a habitar o novo espaço conventual, por uma comunidade de religiosos liderados pelo Ministro Provincial Fr. Paulo da Maya. (*)
Era um pobre de início mas que foi sendo depois alargado num novo edifício e cerca, rompendo a rua nova de Jesus desde o largo da igreja até a calçada do Combro, através da compra de diversas propriedades e terras contíguas ao mosteiro com autorização régia concedida no alvará de 1623.
O Convento e a nova Igreja de Nossa Senhora de Jesus, que tiveram a traça do arquitecto Diogo Marques Lucas,  foram edificados ao longo da primeira metade do século XVII, 1.ª pedra foi lançada por Cristóvão de Almada, Provedor da Casa da Índia, em 31 de Julho de 1615, sendo Provincial Fr. Manoel das Chagas e Ministro do Convento Fr. Aleixo de S. João. (*) 
Em 24 de Fevereiro de 1623 se disse nela a 1.ª missa ainda sem capela mór que só seria concluída em 1633 a expensas do arcebispo D. João Manuel, Bispo de Coimbra, da casa dos condes da Atalaia e marqueses de Tancos, padroeiros da Capela-maior do Convento e da Província. D. João Manoel faleceu em Lisboa em 4 de Julho de 1633, 12 ou 15 dias antes de se derribar a trolha da Capela maior velha e aparecer na nova estando a talha ainda por acabar na madeira. (*) 
Aos 12 de Janeiro de 1744 foi sagrado o altar mor desta igreja do Convento de N.ª Sr.ª de Jesus pelo Ex.º Sr. D. José Dantas Barbosa, Arcebispo de Lacedemonia, do Conselho de Sua Magestade, Provisor e Vigário geral do Em.º Sr. Cardeal D. Tomás de Almeida, em honra de Nossa Senhora de Jesus e do Padre S. Francisco e no altar se incorporaram as relíquia de St.º Cerbano Rapa ? e Mártir e de S. Celestino Mártir. (*)
Todo o edifício incluindo a igreja foi bastante danificado no terramoto de 1 de Novembro 1755, e uma boa parte da Igreja desabou na noite de 20 de Janeiro de 1756, «em que caiu o tecto da igreja e se perdeu o coro que conforme os arquitectos de bom gosto era o mais formoso e regular que havia na corte» (Mappa de Portugal).
A actual configuração resulta em larga medida da reconstrução feita no pós-terramoto, dentro do estilo dito «pombalino» e segundo projecto do arquitecto Joaquim de Oliveira, com destaque na igreja para o desenho da fachada e do seu espaçoso adro, sendo a fachada decorada de pilastras de ordem jónica sobre outras de ordem dórica e a empena ou frontão que não segue a usual forma triangular.
A reedificação foi lenta como se verifica pelo facto de ter sido no período do governo de Fr. Manuel do Cenáculo (eleito Provincial no triénio de 1768, e futuro 1.º Bispo de Beja) a mandar completar o frontispício e muitas outras obras imperfeitas, sendo ainda do seu período a casa da livraria (hoje pertença da Academia das Ciências) de que se atribuem as pinturas do tecto a Cyrillo Machado.
(Frei Manuel do Cenáculo, fonte: pt.wikipedia.org)
No tempo do Padre Mayne instituiu-se um famoso Gabinete de história natural.
Depois da extinção das ordens religiosas (8 de Maio de 1834) estabeleceu-se no Convento de Jesus a Academia Real das Ciências (1838), na Igreja de Nossa Senhora de Jesus a Igreja Paroquial das Mercês (26 de Abril de 1835), e na Capela dos Terceiros manteve-se a respectiva Ordem Secular.

Entre os artistas e artífices com obra certa em N.S. de Jesus, conhecemos os seguintes
ENTALHADORES: Baltazar dos Reis Couto (1717-1718); Félix Adauto da Cunha (séc. 18); José Freire (1717-1718); Manuel João de Matos (1710).
ORGANEIRO: D. José Martins Fernandes (1721); Augusto Joaquim Claro (séc. 20).
PINTOR de AZULEJOS: António de Oliveira Bernardes (1712-1714).
PEDREIROS: Estácio Correia (1623); Félix da Costa (1714).
PINTORES: Marcos da Cruz (1673-1674); Bento Coelho da Silveira (1708).
PINTORES de DOURADO: Manuel dos Reis (1716); José Gonçalves Soares (1731).
CARPINTEIRO: Custódio Vieira (1711); António Gomes (1714).
OURIVES da PRATA: Sebastião da Silva Nobres (1747).

Nas capelas laterais da Igreja são de admirar os altares de talha, imaginária e pintura seiscentistas e setecentistas, com as seguintes invocações:
- Nosso Senhor dos Aflitos e Nossa Senhora da Piedade;
- Nossa Senhora da Apresentação e Cadeia;
- São Miguel;
- Nossa Senhora da Conceição;
- Nossa Senhora das Dores;
- Santo António;
- Nossa Senhora do Egipto;
- Santíssimo Sacramento.
No transepto, merecem menção: os altares de talha dourada seiscentista, com fundo de camarim, frontal de mármore e teia circundante, com as invocações de São José (lado da Epístola) e Nossa Senhora da Patrocínio (Evangelho); as telas figurando passos da vida de São Francisco, atribuídas a Marcos da Cruz (m. 1683).
Na capela-mor observa-se, para além do altar-mor, com retábulo em talha, monumentos fúnebres de elementos da família do fundador, constituídos por essas em mármore integradas em arcossólios abertos nos muros laterais e encimados por telas figurando o Menino Jesus e São João, no lado O. e a Sagrada Família a E..
No espaço da Igreja e do Convento encontramos alguns epitáfios tumulares em Capelas mandadas edificar por importantes figuras históricas, como por ex.:
D. João Manuel (+4.7.1633), Vice Rei de Portugal (1632), 16.º Arcebispo de Lisboa (1632), Esmoler Mór de D. Filipe III, Bispo de Coimbra (1625) e Bispo de Viseu (1609). Foi sepultado na Capela Mór da Igreja de Nossa Senhora de Jesus dos Religiosos Terceiros, a qual Capela mandou ele edificar sendo ainda Bispo de Viseu para seu Jazigo e dos Condes de Atalaia com o título de Padroeiro da Província.
Dr. António de Sousa Macedo (1606-1.11.1682), importante figura das letras e história política de Portugal, oriundo da vila de Amarante, foi do Conselho Real e Secretário de Estado. Foi também Governador e Capitão da Ilha Grande. Casado com D.ª António Limerick. Foi sepultado numa das Capelas da Via sacra que corre do lado da epístola. O filho, D. Luís Gonçalves de Sousa de Macedo, casado com D.ª Mariana de Távora, teve o título de Barão da Ilha Grande e Barão de Mollingar, no Reino da Irlanda. Ao neto (?), Luís de Sousa de Macedo, foi concedido em 1754 por D. João IV, o título de Visconde de Mesquitela.


Algumas da Capelas do Convento instituídas no século XVII estavam vinculadas a Morgados e Vínculos de Capela, como por ex.º:
- A Capela de Nossa Senhora da Conceição (era a 1.ª junto do cruzeiro da banda de fora da epístola), fundada em 1626 por contrato com D.ª Maria da Silva, viúva de Agostinho de Sousa Pereira (DGARQ/TT, HSJ, L.º 88, f. 122v);
- A Capela de Santo Estêvão, fundada em 1627 por contrato com Estêvão de Brito Freire, Cavaleiro Fidalgo da Casa Real (DGARQ/ADL, CNL, Of.º 7-A, L.º 6, ff. 12v-14), cujo testamento data de 1633 (DGARQ/TT, HSJ, L.º 86, f. 292);
- A Capela de Nossa Senhora de Jesus (Capela-mór da Igreja), comprada em 1632 pelo então Bispo de Coimbra, D. João Manuel e os religiosos de Nossa Senhora de Jesus de Lisboa;
- A Capela da Ressurreição de Cristo, fundada em 1635 por determinação testamentária de D. Brites do Rio, viúva de D. Jorge de Meneses (da Casa de Cantanhede);
- A Capela da Rainha Santa Isabel (defronte das Capelas de St.º Estêvão e N.ª Sr.ª da Lembrança), a que se obrigou em 1635 Diogo Fernandes da Rocha e sua mulher Isabel da Guarda, cujo testamento data de 1645 (DGARQ/TT, HSJ, L.º 86, f. 254);
- A Capela de Santo António, comprada em 1647 por D. Francisco Manuel de Mello, Fidalgo da Casa Real e Comendador da Ordem de Cristo;
- A Capela da Via Sacra (no Cruzeiro da Igreja), comprada em 1648 por António de Sousa Macedo, do Conselho Real, e cabeça do morgado em 1676 (DGARQ/TT, HSJ, L.º 86, f. 1);
- A Capela de Santo Ivo (que estava à entrada pela porta principal, debaixo do coro à segunda mão à esquerda), comprada em 1651 por Manuel Aires de Almeida, Desembargador dos Agravos da Casa da Suplicação e Juiz do Fisco Real (DGARQ/TT, HSJ, L.º 86, f. 82v);
- A Capela de Nossa Senhora das Angústias (debaixo do coro à segunda mão à direita), comprada em 1642 por D.ª Elísia de Tovar, mulher de D. Henrique Pereira (DGARQ/TT, HSJ, L.º 87, f. 227);
- A Capela do Trânsito de São José (na Via Sacra), comprada em 1664 Mariana de Abreu (DGARQ/TT, HSJ, L.º 88, f. 162);

E outras mais, conforme se pode consultar nos Livros das Capelas de Nossa Senhora de Jesus do Cartório do Hospital de São José (DGARQ/TT, HSJ, L.ºs 86, 87, 88, 168).




Fontes:
Fr. Claudio da Conceição, Gabinete historico: Desde 1850 até 1819, pp. 227-228
Luís Gonzaga Pereira, Descripção dos Monumentos Sacros de Lisboa
O Panorama: semanario de litteratura e instruccão, Vol I Setembro 19, 1846, p. 17
Archivo pittoresco, Volume 5, p. 365
Vítor Serrão, «Documentos dos protocolos notariais de Lisboa referentes a artes e artistas portugueses (1563-1650), Boletim Cultural da Junta Distrital de Lisboa, Nº 90 (1984-1988), pp. 83, 88, 97
Catalogo dos manuscriptos da Bibliotheca publica eborense, Volume 3, p. 122
D. Francisco Manuel de Mello: esboço biographico, pp. 560-568
Vítor Serrão, «Um Concurso de Pintura do Século XVII», in A Cripto-História da Arte, Lisboa, 2001, p. 94- 95
Vítor Serrão, «Os Silva Paz, uma Família de Pintores Sem Obra», in A Cripto-História da Arte, Lisboa, 2001, pp. 107-108
Ayres de Carvalho, «Documentário Artístico do Primeiro Quartel de Setecentos Exarado nas Notas dos Tabeliães de Lisboa», Bracara Augusta, Braga: C.M., 1974, pp. 167, 173, 174, 179, 183, 186

Documentos do Arquivo da Câmara Patriarcal de Lisboa:

1584, 26 de Outubro – Licença para edificar um Convento nos Cardaes do Vale da Esperança, instituindo o Mosteiro de Jesus da Penitência do Pe. S. Francisco, a favor do Provincial da Ordem de S. Francisco (AHPL, CEL, L. 6 / Ms. 702, f. 94).
1747, 18 de Dezembro – Provisão de Confirmação dos novos capítulos acrescentados ao compromisso da Confraria do Sr. St.º Cristo dos Cardais do Convento de N.ª Sr.ª de Jesus (AHPL, CPL, L. 7 / Ms. 449. f. 68)
1748, 27 de Julho e 6 de Agosto – Provisões de Aprovação e Confirmação do Compromisso da Irmandade de S. Conrado do Convento de Jesus dos Religiosos de S. Francisco da Ordem Terceira (AHPL, CPL, L. 7 / Ms. 449. ff. 98 e 101)
1761, 9 de Março – Provisão de Confirmação do Compromisso da Irmandade de Nossa Senhora da Conceição da Escada (AHPL, CPL, L. 11 / Ms. 278. f. 16)
1764, 3 de Janeiro – Provisão de Confirmação do Compromisso (novo ?) da Irmandade de Nossa Senhora de Jesus (AHPL, CPL, L. 11 / Ms. 278. f. 396)

RUI M. MENDES

Lisboa, 20 de Maio de 2011



Sem comentários:

Enviar um comentário