domingo, 26 de junho de 2011

Quinta da Malvásia, em Unhos (Loures)


A Quinta da Malvázia (Unhos) e a sua Capela de Nossa Senhora da Esperança

(Imagem: Bing Maps)

Na Freguesia de Unhos, temos a antiga Quinta da Malvázia, que pertenceu aos descendentes de Gaspar Pereira do Lago (c. 1540-?) (corregedor do crime da corte), e que foi morto pelos «levantados que seguião o Ermitão da Eyriceira» *, segundo nos diz o Padre António Carvalho da Costa, na sua Corografia Portuguesa, e que hoje pertence ao Instituto Nacional de Reabilitação, sendo um centro de formação e recuperação de pessoas com deficiência.

Não sendo das quintas históricas da região de Lisboa, a mais conhecida ou citada na bibliografia contemporânea, merece contudo alguma atenção pela antiguidade, quer da quinta, quer da Capela que nela se encontrava edificada, que era dedicada a Nossa Senhora da Esperança.

A Quinta não terá sido edificada pelo referido Gaspar Pereira do Lago, pois este Cavaleiro da Ordem de Cristo, foi morto no referido episódio do “Rei da Ericeira” * em 1585, e a Capela de Nossa Senhora da Esperança, anexa à quinta, foi edificada, segundo João Baptista de Castro (Mappa de Portugal Antigo e Moderno, 1763), em 1599 por D.ª Brites Velasco, a qual vinculou a Quinta da Malvásia a um legado pio.

Em 1666 a Ermida encontrava-se suspensa por falta de Licença de erecção e para se dizer Missa, sendo pedida uma nova licença por Maria da Cunha, viúva de Gaspar Pereira do Lago, Fidalgo da Casa Real (c. 1600-?), não o citado anteriormente, mas o seu neto, filho de Baltasar Pereira do Lago, Cavaleiro da Ordem de Cristo e Fidalgo da Casa Real (c. 1570-?).
Pedida a licença ao Cabido da Sé de Lisboa foi a mesma concedida por Provisão de 20 de Julho de 1666 (Cfr. Petição in DGARQ-TT, CEL, M.1809, n.254; Provisão in AHPL, Ms. 291, f. 7)

A quinta terá passado depois ao filho de Maria da Cunha e Gaspar Pereira do Lago, Baltasar Pereira do Lago, Fidalgo da Casa Real (c. 1630-?), e depois ao filho deste com Maria Micaela da Silva, Gaspar Pereira do Lago, Fidalgo da Casa Real (c. 1665-?).

Em 1706 é descrita assim por António Carvalho da Costa, na sua Corografia Portuguesa:
«(Unhos) Tem muytas quintas como he a da Malvazia que fica junto ao rio que vay para o Lugar de Friellas da qual he hoje senhor Gaspar Pereyra do Lago, cujo terceyro avô foy Gaspar Pereyra do Lago oriundo da Provincia de Entre Douro & Minho Fidalgo honrado da familia dos Pereyras do Lago da mesma Provincia o qual seguio nesta Corte as letras & sendo Corregedor do Crime da Corte o matarão os levantados que seguião o Ermitão da Eyriceira foy casado com D. Antonia do Casal mulher muyto nobre do que teve a Balthazar Pereyra do Lago Fidalgo da Casa de Sua Magestade & Cavalleyro na Ordem de Christo o qual casou com D Leonor de Gouvea irmã de Francisco Vaz de Gouvea que foy Arcediago de Villa nova de Cerveyra Lente em Canones na Universidade de Coimbra & Desembargador do Paço de que teve a Gaspar Pereyra do Lago Fidalgo da Casa de Sua Magestade o qual casou com D Maria da Cunha mulher muyto nobre da Cidade de Braga de que teve a Balthazar Pereyra do Lago Fidalgo da Casa de Sua Magestade & Alcayde mór da Villa de Ferreyra na Provincia do Alentejo o qual casou com D Maria Eufrasia Josefa de quem não teve filhos & fora do matrimónio teve ao sobredito Gaspar Pereyra do Lago que he o successor da casa de seu pay & a D Catharina Caetana do Lago».

Dada antiguidade da Ermida foi esta reedificada entre 1739 e 1741 por Gaspar Pereira do Lago, Fidalgo da Casa Real, precedida da respectiva licença de reedificação do Cabido da Sé de Lisboa Oriental, dada em 25 de Agosto de 1739.
Após a conclusão das obras de reedificação continuou a dizer-se Missa nesta Ermida por Provisão de 1 de Fevereiro de 1741.
(Cfr. Petição in DGARQ-TT, CEL, M.1809, n.144; Provisão in AHPL, Ms. 24, f. 553)

Em 1763 registamos obras na quinta, o que poderá indiciar que a mesma terá tido alguns danos significativos na sequência do terramoto de 1755, e que poderão ter inclusive causado o impedimento da Ermida, pelo menos esta não é citada pelo Prior de Unhos na sua Memória Paroquial de 1758.

As obras de 1763 foram mandadas fazer em Setembro desse ano por Baltasar Manuel Pereira do Lago, filho de Gaspar Pereira do Lago e Luísa Teresa de Mendonça, e Governador de Moçambique (1765-1779), a José António de Abreu (mestre carpinteiro) e Manuel Jorge Delgado (mestre carpinteiro), que depois se associaram a Miguel Pereira (ferreiro). O contrato da obra e da sociedade foram registados na Nota de Bartolomeu Ângelo Escopery (tabelião público de Lisboa), conforme se regista nos Livros do Distribuidor de 1763:
f. 12 (Set)           Contrato e Obrigação = Balthazar Manuel Pereira do Lago com Joze António de Abreu, carpinteiro e Manuel Jorge Delgado, pedrº = sobre obras na quinta da Malvazia, em Sacavém, cuja despeza, q constar por medição vencerá juros a 5 por 100; e tudo se pagará pela consignação anual de 200$000 réis na renda da dita quinta e outra perto della; e por todo o mez de Abril de 1764 dará mais elle Senhorio aos ditos mestres cem mil reis ou em dinheiro ou em madeira de castanho q habaterão na importância da dita obra: fiador e principal pagador pelo dito Senhorio ficou João de Anvers Pacheco, morador no sítio de N.S. da Lapa.
f. 12 (Set)           Sociedade = os mestres acima com Miguel Pereira, ferreiro = sobre obras de que trata o contrato acima para elle Miguel concorrer com o dinheiro e ferragens precisas e será caixa desta sociedade e de 4.ª parte vai interessado em duas e meia, digo em parte e meia e as duas meia são para o os outros dous sócios repartidas igualmente entre ambos, mas da consignação se pagará primeiro ao dito Miguel com o q entrar.
(DGARQ-ADL, CDL, Cx. 40, L. 124, f. 12)


Baltasar Manuel Pereira do Lago, casado com Joaquina Tomásia de Almeida, apenas teve uma filha Francisca Maria Paula de Almeida Pereira do Lago, que casou com João Pestana Pereira, de quem teve 6 filhos, o mais velho dos quais Henrique José Pestana Pereira do Lago.

Finalmente em 1873 o Rei D. Luís concedeu a Daniel Ferreira Pestana (c. 1823 - ?), Comendador da Ordem de Cristo, Cavaleiro da Ordem de Avis e da Conceição, e mililtar ilustre em Goa (descendente dos anteriores ?) a «Administração vitalícia de uma quinta chamada Malvazia em Sacavém e umas terras no sítio Pampulha, pertencentes ao vínculo instituído por D. Brites» por Carta de 30 de Dezembro de 1873 (Cfr. DGARQ-TT, Registo Geral de Mercês de D. Luís I, L. 56, f. 209v).

Na sequência da escritura de doação da Quinta da Malvazia, foi criado, pelo Decreto-Lei nº 176-B/88, de 18 de Maio, o Centro de Investigação e Formação Maria Cândida Marques de Sousa Beirão da Veiga Cunha, e consequentemente a orgânica do Secretariado Nacional de Reabilitação passou a integrar o serviço “Centro Maria Cândida da Cunha”.


Notas:
* Mateus Alvares, filho de um pedreiro Açoriano e Ermitão da Ermida de São Julião, próxima da Ericeira, fez-se passar por D. Sebastião em 1585, sendo apoiado por um lavrador da zona, um tal Pedro Afonso, que conseguiu armar uma insubordinação popular de 800 homens da região da Ericeira, Mafra, Torres Vedras e Sintra. Quando o Corregedor, a mando do governo de Lisboa, se deslocou à Ericeira, foi preso, juntamente com o seu escrivão, e ambos foram lançados ao mar. Finalmente, o governo de Lisboa, com uma força bem armada, conseguiu prender o falso rei, que acabou condenado à forca, sendo enforcado em 14 de Junho de 1585. Quanto aos restantes insubordinados foram perdoados por mercê do rei Filipe II de Espanha, I de Portugal.

Fontes:
http://www.geneall.net/P/per_page.php?id=115372
http:// www.inr.pt/content/1/49/historial
DGARQ-TT, CEL: Torre do Tombo, Câmara Eclesiástica de Lisboa
DGARQ-ADL, CDL: Arquivo Distrital de Lisboa, Cartório do Distribuidor de Lisboa
AHPL: Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa
P. João Baptista de Castro, Mappa de Portugal Antigo e derno
P. António Carvalho da Costa, Corografia Portuguesa
Diccionario bibliographico portuguez: (1-6 do supplemento) A-Lourenço ... Por Innocencio Francisco da Silva       

RUI M. MENDES
Caparica, 26 de Junho de 2011

sexta-feira, 24 de junho de 2011

História da Paróquia das Mercês (Lisboa)


Igreja de N. S.ª das Mercês (séc. XVII), gravura, Estúdio Mário Novais, 1948
(Fonte: <http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/>)

A primeira igreja de Nossa Senhora das Mercês foi estabelecida num recolhimento do mesmo título, fundado junto à Ermida dos Fiéis de Deus por alvará régio de D. Filipe III, datado de 23 de Dezembro de 1623. Tratava-se de um recolhimento para «mulheres, irmãs e filhas de pessoas que andam servindo ou houveram servido fora do Reino» ao Serviço do Rei» (vide documento abaixo).


Apesar do recolhimento se denominar «dos Fiéis de Deus», por se situar ali próximo, as referências posteriores falam do Recolhimento «das Mercês» e das «recolhidas nas Mercês», tais como D. Catarina de Sousa (1636), D. Mariana de Lima (1653) e D. Leonor da Silveira de Miranda (1659) (Index, T. III, 1941, pp. 118, 308, 309, 7). É por isto possível que a primeira igreja das Mercês fosse de facto a igreja do recolhimento, ou mesmo a própria Igreja dos Fiéis de Deus, a documentação não o esclarece (*).

Na realidade, a paróquia era mais antiga que o Recolhimento pois, apesar do que refere Frei Agostinho de Santa Maria e João Baptista de Castro, no primeiro livro de Óbitos da Freguesia das Mercês regista-se que «Esta freguezia de Nossa Senhora das Mercês teve seu princípio pello São João do anno de mil e settecentos Digo de mil e seiscentos e vinte e dous» (24-06-1622) (vide imagem abaixo) (*).


(Fonte: ANTT, Registos Paroquiais, Lisboa, Mercês, Óbitos, liv. 1, img. 0313)



O mesmo se diz nas «Memorias das Freguezias da Cidade de Lisboa que os seus mesmos Parocos deraõ ao P. J. B. de Castro para construcçaõ de sua parte do Mappa de Portugal no anno de 1755», que a propósito das Mercês referem: «A Parochial Igreja de Nossa Snra das Merces foi Recolhimento de mulheres recolhidas, e nobres, foi erecta em Parochia no anno de mil e seis centos e vinte e dous (1622), e muitos annos depois de Parochia se conservaraõ as ditas recolhidas no dito recolhimento o qual se extinguio por resolução de S. Magestade» (BPE, CXII, 2-5, fls. 103-sgs, fl. 144-146) (*).


Foi em 4 de Outubro de 1622 que se registou o primeiro óbito da paróquia, de D. Henrique Pereira, morador na Rua da Rosa do Carvalho (actual Rosa das Partilhas), casado com D. Hilária Rolim, o qual foi sepultado em S. Francisco da Cidade. Na mesma data faleceu Francisca Fernandes, casada com Francisco de Oliveira, sendo aquela sepultada no Mosteiro de Jesus dos Cardais (*).

Os primeiros assentos da freguesia demonstram que a matriz inicial foi a Igreja da Ascenção de Cristo, situada na Calçada do Combro, aí foi sepultado Sebastião de Sousa, solteiro, pajem de D. Beatriz d’Ória (19-10-1622); já  Isabel Luís, mulher de Pedro Álvares, moradora na Rua da Rosa do Carvalho, foi enterrada no «Adro da Freguesia da Ascenção» (29-10-1622, fl. 1v). A partir de Abril de 1624 já se referem os «defuntos que falecerão na nova parochia de Nossa Senhora das Mercês do Anno de 1624», sendo o primeiro, Ana Gomes, ama do Pe. Pedro da Cruz, cura de Nossa Senhora das Mercês, a qual era índia e sua cativa (6-4-1624), e a segunda, Susana Rodrigues, moradora à Cruz de Pao (largo do Calhariz), «enterrada na Igreja de Nossa Senhora das Mercês» (8-4-1624, fl. 8v) (*). Deste modo, algumas referências, como as registadas nas memórias paroquiais das Mercês, que mencionam a sua instituição por um contrato de 1 de Dezembro de 1632, que confirmou a separação desta igreja da jurisdição das paróquias de Santa Catarina e Loreto (SILVA, 1968: p. 196; PORTUGAL, et MATOS, 1974: p. 195), podem ter sido mal interpretadas por alguns dos autores que referem a sua instituição apenas em 1632 ou mesmo em 1652, em razão do contrato de doação do seu padroado ao Dr. Paulo de Carvalho (COSTA, 1712: p. 504; CASTRO, 1763: p. 379; PERERIA, 1840: p. 459).

A contrato de 1 de Dezembro de 1632 não diz respeito à instituição da paróquia, mas aos conflitos que esta instituição gerou por causa do território originário da paróquia de Santa Catarina, de que eram padroeiros os confrades de Santa Catarina dos Livreiros, dizendo a este propósito Sousa Viterbo, num pequeno texto sobre a Igreja de Santa Catarina do Monte Sinai, que a após a constituição da freguesia de Santa Catarina por contrato entre o Cabido e a Confraria em 29 de Maio de 1569, que : «a interpretação d'este contrato deu origem a frequentes contestações e demandas, sendo a principal motivada pela desmembração da freguesia, na occasião de se criar a nova parochia das Mercês. A contenda veio a acabar por um novo acordo, celebrado no 1.° de dezembro de 1632, sendo pactuantes, por parte do cabido: Matheus Teixeira da Silva, arcediago, Filippe Jacome da Rocha, thesoureiro, Gregório da Fonseca, Manoel da Silva, João de Teve, João de Montezinhos Salema, Matheus Peixoto Barrete, e António Moniz da Câmara, conegos prebendados; e por parte da corporação dos livreiros: Manoel Fernandes, escrivão, Bartholomeu Velho, thesoureiro, Estevam Francisco, mordomo, e Lourenço de Queiroz, procurador. O cabido tinha desmembrado a nova parochia das Mercês sem a confraria ser citada, e esta era a causa principal do pleito, que se movia entre as duas entidades, não faltando, como objecto secundário, nas controvérsias suscitadas por causa da nomeação dos curas e coadjutores. O poder real interveio na contenda, promulgando o alvará de 17 de setembro de 1632, em que aconselhava o cabido a por termo ao debate por meio de urna transação amigável. Pelo novo acordo, a confraria ficou habilitada a poder despedir, quando Ihe approuvesse, o cura e o coadjutor, firmando o cabido os novos apresentandos. Emquanto à desmembração da freguesia resolveu-se que a de Santa Catharina apenas cedesse um terço da sua área para a formação da nova freguesia das Mercês» (SOUSA VITERBO, 1904: p. 206).


Contudo, até o próprio autor da memória paroquial de 1758 acrescenta, a dado momento do seu relato, que: «Com o terremoto do primeiro de Novembro do armo de mil e sete centos e sincoenta e sinco, padeceo esta Igreja em parte grande ruína, a qual logo se reparou com o grande zello, e cuidado do Excelentíssimo padroeiro, e Irmandade do Santíssimo, como fabricana que he do corpo da mesma Igreja. E emquanto se não reparou, esteve esta parochia na Ermida da Ascensão de Christo, e nossa Senhora do Amparo, sita na Calçada do Combro e anexa desta parochia, na qual teve seu principio esta freguezia que foi no anno de mil e seis centos e vinte e dous, e nella se conservou dos annos (1622-1624)» (PORTUGAL, et MATOS, 1974: p. 198).

O padroado da igreja das Mercês pertenceu durante algum tempo a João de Sequeira Varejão, Fidalgo e Governador da Armada Real, Comendador da Ordem de S. Tiago, que o recebeu em 20 de Julho de 1650 por doação do Cabido da Sé (Index, T. III, p. 280) (*), cedendo-o depois ao Desembargador do Paço, Dr. Paulo de Carvalho, e s.m. Maria Pereira, que em 25 de Novembro de 1651 fizeram um contrato com o Cabido sobre o mesmo, o qual se não outorgou (Index, T. III, p. 292) (*). Um novo contrato de padroado foi depois lavrado nas notas de João Lobato de Almeida em 26 de Outubro de 1652, pelo qual o Dr. Paulo de Carvalho «por devoçaõ da mesma senhora, lhe reedificou elle à sua custa a mesma Ermida, fazendo-a cabeça de hum Morgado, que instituhio, & acabada ella com muyta grandeza, & perfeyçaõ, attendendo, a que a igreja da Freguesia lhe ficava muyto distante, & que tinhaõ crescido muyto os freguezes, pedio ao Cabido Sede Vacante quizesse eregir aquella sua Igreja em huma nova Paroquia (i.e. sede de paróquia) em que veyo o Reverendo Cabido, pela grande utilidade que resultava aos Paroquianos (...) Ficou o Desembargador Paulo de Carvalho com o Padroado, & com o privilegio de apresentar Cura annual, Coadjutor, e Thesoureyro, & que sendo necessarios mais Coadjutores, sempre seriaõ da sua aprensentaçaõ dos Padroeyros» (SANTA MARIA, 1721: p. 91, vide documento abaixo) (*). Este morgado foi efectivamente confirmado em 3 de Janeiro de 1663, com a instituição da obrigação de missa quotidiana na mesma igreja (ANTT, Hospital de São José, Escrivão Botelho, Extractos de Capelas, cx. 504, liv. 7, n.º 303) (*).


As memórias paroquiais referem ainda que «a parochial Igreja de Nossa Senhora das Merces, sita na rua Fermoza da cidade de Lisboa, foi recolhimemto de mulheres, the o anno de mil e seiscentos e setenta e dous (1672), e constava o dito recolhimento de mais de quarenta mulheres, e muitas dellas nobres» (PORTUGAL, et MATOS, 1974: p. 195).

Em 23 de Setembro de 1679, D.ª Maria Pereira, viúva do Dr. Paulo de Carvalho, obtém licença do Arcebispo D. Luís de Sousa para se restituir o Santíssimo Sacramento da paróquia das Mercês à Igreja de Nossa Senhora das Mercês, vindo da igreja velha dos Padres Ingleses, o que pode indicar que se concluíram neste ano algumas obras de reedificação (AHPL, CEL, ms. 196, fl. 127). Com a ruína do terramoto, e enquanto se não reedificava a matriz, o pároco transferiu o Santíssimo e a sede da paróquia para a Ermida da Ascensão de Cristo, onde esteve até 22 de Maio de 1757  (Castro, 1763: p. 380).

Igreja de N. S.ª das Mercês (séc. XVIII-XIX), gravura, Luís Gonzaga Pereira
(Fonte: Pereira, 1840: p. 458)

Em 26 de Abril de 1835 a paróquia das Mercês foi solenemente transferida para a Igreja do Convento de Nossa Senhora de Jesus (PEREIRA, 1840: p. 462), sendo a antiga Igreja entregue aos Carvalhos. Em 1942 não estando já ao culto, foi vendida, a 28 de Abril, a um particular que a arrendou ao Comando da Polícia Cívica (SIPA).

Planta da Freguesia de N.S. das Mercês em 1770



(Segundo o Mappa de Portugal de João Baptista de Castro, em 1763, pp. 381-382, mas de acordo com os limites estabelecidos em  1770)

A Ermida da Ascensão de Cristo, na Calçada do Combro, fundada por António Simões de Pina em 1500 (?), foi sede da Paróquia das Mercês de 1 de Novembro de 1755 a  22 de Maio 1757 (hoje na freguesia de St.ª Catarina). Foi a primeira sede da paróquia das Mercês (*).
(Capela da Ascenção de Cristo, fachada principal, 1941)
(Fonte: <http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/>)

A Ermida de Nossa Senhora da Ajuda e Santos Fieis de Deus, na Rua dos Caetanos, fundada por um Afonso Brás em 1551, (SANTA MARIA, 1721, p. 26), segundo João Baptista de Castro junto desta capela teria estado a paróquia das Mercês de 1632 a 1651 (hoje na freguesia de St.ª Catarina). Foi restaurada pela Irmandade de Nossa Senhora da Ajuda e Santos Fiéis de Deus e benzida em 8 de Setembro de 1870 (AHPL, U.I. 259, fls. 96v-97).

Ermida de Nossa Senhora da Ajuda dos Fiéis de Deus, fachada principal, 1948
(Fonte: <http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/>)

O Colégio de São Pedro e São Paulo, dos Missionários Inglesinhos, fundado por D. Pedro Coutinho em 1632, actualmente um condomínio privado (hoje na freguesia de St.ª Catarina).

(Igreja do Convento dos Inglesinhos, 1945, Eduardo Portugal)
(Fonte: http://arquivomunicipal.cm-lisboa.pt/)

O Convento de Nossa Senhora da Divina Providência (de Clérigos Regulares de S. Caetano), na rua do Carvalho (rua Luz Soriano - actual Conservatório Nacional), fundado pelo Pe. D. António Ardizone em 1650, e reformado a partir de 1698, a igreja foi construída em terrenos da chamada travessa das Bruxas, cedidos por D. João V por resolução de 23 de Dezembro de 1743 (SOUSA, 1744, pp. 460-466) (*), mas foi demolida em 1912 (hoje na freguesia de St.ª Catarina).

O Mosteiro ou Convento de Nossa Senhora da Conceição dos Cardais (de Carmelitas Descalças), na rua Formosa (actual Rua de O Século), fundado em 1682 por D.ª Luísa de Távora, viúva do Morgado de Oliveira e Comendadeira do Mosteiro de Santos (Provisão in AHPL, ms. 196, fl. 253), actual «Associação de Nª. Sra. Consoladora dos Aflitos», e espaço cultural.
Foi recolhimento de mulheres até 1681 (BPE, CXII, 2-5, fls. 103-sgs, fl. 145) (*).
Convento dos Cardais, 1945, Eduardo Portugal

Ermida de São José, erigida por Pedro da Silva Rodarte, Cavaleiro da Ordem de Santiago, Alcaide-mor da Ilha de Ilhéus no Estado do Brasil, nas suas casas da Rua de São Boaventura em 1685 (AHPL, ms. 197, fls. 9-10) (*). Não é referida no Mappa de Portugal.  Talvez se trate da mesma propriedade descrita em um anúncio do Diário do Governo de 14 de Junho de 1848: «Arrenda-se a Casa Abarracada, na rua do Moinho de Vento, n.° 80, a S. Pedro de Alcântara, que se compõe de grandes accommodações para numerosa familia, Capella com porta para a rua da Rosa, pateo de entrada fechado, cocheira, cavallariça, e palheiro, dous jardins, e uma grande cisterna».


O Hospício de Nossa Senhora da Conceição (de Religiosos Franciscanos do Rio de Janeiro), na Travessa da Estrela, de 1703, reformado em 1727 (AHPL, ms. 435, fl. 265).

O Hospício de Nossa Senhora dos Anjos (de Missionários de Brancanes ou do Varatojo), na Travessa do Oratório, de 1717, e reformado em 1725.

O Hospício de Nossa Senhora do Monte Carmo (de Religiosos Carmelitas da Província de Pernambuco e Maranhão), de 1722 (ANTT, CDL, cx. 22, liv. 86, fl. 158), na Rua da Vinha  (BPE, CXII, 2-5, fls. 103-sgs, fl. 145) (*).

O Hospício de Nossa Senhora da Conceição (de Religiosos Franciscanos da Ilha da Madeira), na rua do Carvalho (Luz Soriano).

A Ermida de Nossa Senhora do Carmo, na rua Formosa (rua de O Século, n.º 51), erigida em ermida pública por Inácio José de S. Paio em 1734 e 1739, nas suas Casas (ANTT, CEL, mç. 1807 e mç. 1809, n.º 213), actualmente conhecidas como Palácio dos Viscondes de Lançada (hoje na freguesia de St.ª Catarina).

Palácio dos Viscondes da Lançada, local das antigas Casas de Inácio José de Sampaio

Esta ermida, antes de ser pública era um oratório ou capela, onde D. Margarida Josefa Freire, viúva de Inácio Ribeiro de Sampaio, mãe de Inácio José, instituiu um morgado em 23 de Novembro de 1723, com obrigação de uma missa cada segunda-feira e 12 missas no Convento do Buçaco e mais 4 missas rezadas á Pureza de Nossa Senhora por 120 rs cada (ANTT, Hospital de São José, Escrivão Botelho, Extractos de Capelas, cx. 504, liv. 8, n.º 382) (*).

A Santa Igreja Patriarcal, começada a edificar em 1756, e destruída por um incêndio em 1769, situada no sítio das Obras do Conde de Tarouca, actual Praça do Príncipe Real (também pertenceu à freguesia de Santa Isabel).

O Hospício de São Francisco de Borja (Residência dos Procuradores Jesuítas da América e Ásia), na Cotovia, edificado em 1757, e que depois de 1759 serviu de Seminário da Patriarcal, que ocupava o local «onde hoje se erguem dois palacetes, dentro de espaçosos jardins gradeados, um dos quais, o que ficava para o lado de S. Marçal», isto no dizer de Gustavo Matos Sequeira (Depois do Terramoto, 1.º Vol., 1967, p. 192), também pertenceu à freguesia de Santa Isabel.

O Ermida do Senhor Jesus dos Aflitos, na Rua da Madre de Deus (Rua Manuel Bernardes), edificada em 1758~1759 (também pertenceu à freguesia de Santa Isabel).

O Hospício dos Missionários do Varatojo, na rua da Conceição à Cotovia (Rua Marcos de Portugal, Praça das Flores), edificado por mercê de D. José I em 1760~1761, e que antes existiu na Cordoaria Nova – Mártires, entre 1685 e 1755 (também pertenceu à freguesia de Santa Isabel).

A Ermida Santo António, na rua para baixo do Pombal (hoje Rua da Imprensa Nacional), onde esteve a paróquia da Encarnação depois de 1755 (fabricou-se de madeira pelo mestre de obras Jorge Rodrigues de Carvalho mas ainda antes de 1763 extinguiu-se) (também pertenceu à freguesia de Santa Isabel).

A Ermida de Santo António, na rua de S Bento, fundada por António Rodrigues Gil depois de 1755, nela esteve a Misericórdia (também pertenceu à freguesia de Santa Isabel).

A Ermida de Nossa Senhora da Conceição da Boa Hora, fundada por D. Fernando Xavier de Miranda Henriques em 1769, nas suas casas, no princípio da Rua da Rosa das Partilhas (ANTT, CDL, cx. 43, liv. 130, fl. 147), talvez no cruzamento com a actual Travessa da Boa Hora (*).

A Ermida de Nossa Senhora da Piedade, edificada em 1777 por Constantino de Faria e sua mulher Bernarda Teresa da Conceição, nas suas casas da rua nova de São José (Cotovia de Cima) (ANTT, CNL, Of.º 12B, liv. 81, fl. 67), e onde depois se estabeleceu a Irmandade do Sr. Jesus dos Aflitos e N.S. da Piedade da St.ª Via Sacra (AHPL, ms. 377, fl. 207) (também pertenceu à freguesia de Santa Isabel).

O Recolhimento das Escravas do Santíssimo Coração de Jesus, fundado em 1789 na Rua da Rosa das Partilhas, numas casas confiscadas a Cláudio José de Sande Nabo, que a Fazenda Real concedeu por empréstimo a D. Sebastiana Teresa de Miranda, regente do mesmo recolhimento, por decreto de 8 de Julho desse ano, as quais viriam depois a ser doadas á sua sucessora, D. Ana Vicência de Oliveira, por carta régia de 30 de Abril de 1823 (Ribeiro, 1873: pp. 397-398). Tratava-se de uma propriedade de casas nobres com oratório de missa, com frontaria para a Rua da Rosa das Partilhas e para a Rua de São Boaventura, as quais foram confiscadas por ordem de execução de 9 de Janeiro de 1775, por dívidas de Cláudio José e seu pai José de Sande Nabo, na qualidade de tesoureiros da Alfândega do Açúcar da cidade de Lisboa (ANTT, Núcleo Antigo, liv. 332, fls. 12-sgs) (*).

Outras casas religiosas e Ermidas que houve nos Cardais e  na antiga Freguesia de Santa Catarina:

O Recolhimento do Espírito Santo dos Cardais (defronte do Convento de Jesus), fundado por D.ª Maria Borges de Azevedo, em 1670~1671 na sua quinta dos Cardais (Provisão in AHPL, ms. 291, fl. 423), e cuja administração passou aos Religiosos de Jesus em 1680.

O Hospício dos Terceiros de São Francisco de Jesus (anexo ao Convento de Jesus), edificado em 1677 pela Venerável Ordem Terceira de São Francisco (estabelecida em 1640), com Capela de 1696 (actual Hospital da Ordem Terceira).
Portal da Capela dos Terceiros

O Recolhimento de Nossa Senhora do Carmo, do Conde de S. Lourenço, junto a Santa Catarina (*), em obras em 1755 (ANTT, CEL, mç.1809, n.º 65).

A Ermida de Nossa Senhora da Piedade das Chagas, aos Cardais, de 1755.

A Ermida de Santo António da Vitória, no Palácio do Conde da Ponte, nos Cardais de Jesus, concluída em 1761 (ANTT, CDL, liv. 122, fl. 305v).


LISBOA, 20 de Maio de 2011
Rui Manuel Mesquita Mendes

(*) Revisão em 2 de Julho de 2017
Bibliografia:
BNP, Index de Notas de Vários Tabeliães de Lisboa, tomo II e III, 1931 e 1941.
CASTRO, João Baptista de, Mappa de Portugal, Tomo III, 1763.

COSTA, António Carvalho da, Corographia Portugueza, T. III, 1712.
MOITA, Irisalva, «O Palácio dos Carvalhos à Rua Formosa», in Revista Municipal, Lisboa, n.º 118-119 (1968), pp. 48-88.
PEREIRA, Luiz Gonzaga, Descripção dos Monumentos Sacros de Lisboa, 1840.
PORTUGAL, Fernando; MATOS, Alfredo de , Lisboa em 1758, 1974, pp. 195-202.
RIBEIRO, José Silvestre, Historia dos Estabelecimentos Scientificos Litterarios e Artisticos de Portugal, 1873.
SANTA MARIA, Frei Agostinho de, Santuário Mariano, T. I e II, 1707; T. VII, 1721.
SEQUEIRA, Gustavo Matos , Depois do Terramoto, 1.º Vol., 1967.

SILVA, Augusto Vieira, «A evolução paroquial de Lisboa», in Dispersos, Vol. 1, 1968, pp. 173-215.
SIPA, <http://www.monumentos.pt/>
SOUSA, António Caetano de, Agiológio Lusitano, T. IV, 1744.

SOUSA VITERBO, Francisco Marques, Diccionario historico e documental dos architectos, engenheiros e constructores portuguezes ou a serviço de Portugal, Vol. II, 1904.



Siglas:

BPE = Biblioteca Pública de Évora
CDL = Cartório do Distribuidor de Lisboa.
CEL = Câmara Eclesiástica de Lisboa.
CNL = Cartórios Notariais de Lisboa.
AHPL = Arquivo Histórico do Patriarcado de Lisboa.
ANTT = Arquivo Nacional / Torre do Tombo.

Documentos:
Carta Régia de D. Filipe III de 23 de Dezembro de 1623 e Alvará régio de 2 de Outubro de 1624 sobre o Recolhimento dos Fiéis de Deus
«(n. 930) Fundação e Regimento do Recolhimento dos Fieis de Deos em Lisboa.
I Havendo visto a Consulta do Conselho de Estado sobre o Recolhimento que se pretende fazer junto á Igreja dos Fieis de Deos dessa Cidade, hei por bem conceder a licença que se pede com declaração que será para as mulheres irmãs e filhas das pessoas que andao servindo ou Me houverem servido fora desse Reino.
II A eleição do Provedor e Irmãos que hão de administrar a Casa se fará todos os annos com a dos Officiaes da Casa das Convertidas e da Confraria da Corte e não se publicará sem ser primeiro vista e approvada pelo Governo do Reino Era quanto durar a obra se elejerá para Provedor o Regedor da Casa da Supplicação para que coin a sua assistência cresça a Casa eo seu respeito
III Para ajuda das obras applico por tempo de seis annos 500 reis em cada um pagos pelo dinheiro das despezas do Desembargo do Paço e 50$ pelo da Supplicação
IV Nesta conformidade ordenareis que se lance logo o Regimento e venha para eu aapprovar (…)
(n. 964) Havendo concedido licença para se fundar junto á Ermida dos Fieis de Deos de Lisboa um Recolhimento para as (mulheres) filhas e irmãs das pessoas que andão ou para o futuro andarem fora do Reino empregadas no R. Serviço, manda applicar para as obras delle por espaço de seis annos 500 reis annuaes pagos pelo dinheiro das Despezas do Desembargo do Paço, e outros 50$ pelo da Relação».
Fonte:

ANTT, Desembargo do Paço, Repartição da Justiça e Despacho da Mesa, liv. 8, fl. 218; Iiv. 9, fl. 157v, vide Manoel Borges Carneiro, Resumo chronologico das leis mais uteis no foro e uso da vida civil publicadas até o presente anno, Vol. 2 (1612-1640), Lisboa : Imprensa Régia, 1819, n. 930 e n. 964, disponível em <https://books.google.pt/books?id=_YFDAAAAcAAJ> (*)

Notícia de Nossa Senhora das Mercês de Lisboa (1721)
Na rua Fermosa havia huma antiga Ermida, com hum Recolhimento de mulheres virtuosas, & a Ermida era dedicada a nossa Senhora com o titulo das Mercês, (& aqui se diz estiveraõ algum tempo os Padres Mercenarios). Com esta Santissima lmagem da senhora teve muyta devoçaõ Desembargador do Paço Paulo de Carvalho ; & por devoçaõ da mesma senhora, lhe reedificou elle à sua custa a mesma Ermida, fazendo-a cabeça de hum Morgado, que instituhio, & acabada ella com muyta grandeza, & perfeyçaõ, attendendo, a que a igreja da Freguesia lhe ficava muyto distante, & que tinhaõ crescido muyto os freguezes, pedio ao Cabido Sede Vacante quizesse eregir aquella sua Igreja em huma nova Paroquia em que veyo o Reverendo Cabido, pela grande utilidade que resultava aos Paroquianos, em 26 de Outubro, do anno de 1652. cuja escritura se lançou nas notas do Tabaliaõ Joaõ Lobato de Almeyda.
Ficou o Desembargador Paulo de Carvalho com o Padroado, & com o privilegio de apresentar Cura annual, Coadjutor, e Thesoureyro, & que sendo necessarios mais Coadjutores, sempre seriaõ da sua aprensentaçaõ dos Padroeyros. Por morte do Desembargador Paulo de Carvalho, entrou na administraçaõ daquella casa, & Morgado da Senhora das Mercês, seu sobrinho Sebastiaõ de Carvalho, & Mello, & tem tambem naquella Igreja hum Capellaõ com Missa quotodiana. E os Irmãos da Irmandade do Santissimo Sacramento tem tambem cinco Capellaens com Missa quotidiana, que apresenta a mesma Irmandade.
Hoje se vê aquella Igreja com a grande devoçao, & liberalidade dos Irmaõs da mesma Irmandade do senhor Sacramentado, feyta hum Ceo porque esta toda cuberta de ricas pinturas com fermosas, & avultadas molduras de tal ha dourada, que assentaõ sobre hum panno de rico azulejo. Tem cinco Capellas a primeyra principal: a mayor ricamente adornada com hum excellente retábalo moderno, & com huma ayrosa tribuna, tudo ricamente dourado. Na boca da tribuna sobre o Sacrario se vê a Imagem da Senhora das Mercês, que he de excellente escultura de madeyra collocada sobre ho trono de Serafins, he de grande preporçaõ ; porque tem alguns sete palmos. Tem a mão esquerda sobre o peyto, & a direyta estendida, que como he Senhora das Mercês, sempre a está repartindo, & communicando. He de grande fermosura, & com ella tem todos os seus Paroquianos muyta devoçaõ.
As outras quatro Capellas, que se vem no corpo da Igreja, que tambem saõ de excellente talha, feytas ao moderno. A primeyra Capella da parte da epistola he dedicada a nossa Senhora da Ajuda, nella se vê collocada huma preciosa Imagem desta Senhora de grande estatura, & de muyto singular escultura, tem sete palmos, & tem sobre o braço esquerdo ao Menino Deos, & ambas as Imagens com preciosas coroas. Hesta Capella muyto magestosa. A segunda da mesma parte he dedicada à Conceyçaõ purissima da Senhora; & a primeyra da parte do Evangelho he dedicada a Christo Crucificado, aonde se vê hua devota Imagem deste Senhor : a segunda he do Archanjo Saõ Miguel : todas estas Capellas estaõ ricamente douradas, & tudo está com grande aceyo, & perfeyçaõ. Festeja-se a Senhora das Mercês em 24 de Setembro. Della faz mençaõ a Corografia Portugueza tom. 3. pag. 504.
Fonte:

Frei Agostinho de Santa Maria, Santuário Mariano, T. VII, 1721: p. 91.

Quinta de Palhais (Loures)


A Quinta de Palhais (Loures) e a sua Capela de Nossa Senhora dos Prazeres


Na Freguesia de Loures, na Quinta de Palhais, que pertenceu ao Conde de Castelo Melhor existe uma antiga Capela dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres, embora o imóvel não se encontre classificado, trata-se de um interessante exemplo de arquitectura civil da primeira metade do século XVIII, que, como em outros casos semelhantes, contemplava também o seu espaço religioso, neste caso uma Ermida pública com porta para a rua.

Das fontes conhecidas (ver extractos abaixo) são referidos elementos (p.ex. os azulejos e o campanário) que parecem datar a capela do período de 1726~1730.

Efectivamente a actual Capela será um pouco anterior a estas datas, mais exactamente de 1721, pois é neste ano, mais precisamente em 8 de Agosto, que D. Froilo de Vasconcelos da Cunha, Secretário da Junta dos 3 Estados [e Fidalgo da Casa Real], então morador na rua de S. Boaventura, freguesia de N.S. das Mercês, Lisboa Ocidental, se obriga a dotar em 6$000 réis anuais a Fábrica da Ermida de Nossa Senhora dos Prazeres que edificou na sua Quinta de Palhaes, na freguesia de Santa Maria de Loures (cfr. Escritura de Dote pelo Tabelião João de Azevedo – DGARQ/TT, Notariais de Lisboa, Of.º 1-A, Cx. 41, L. 404, f. 35v).

Este Dote, que fica vinculado aos rendimentos da quinta, serviria para os ornamentos e mais necessidades da ermida, conforme se determinava nas Constituições para obtenção da devida licença de culto para nela se dizer missa como ermida pública.

A Licença de culto foi concedida por Provisão de D. Tomás de Almeida, Cardeal Patriarca de Lisboa, dada em 12 de Agosto de 1721 (DGARQ/TT, Câmara Eclesiástica de Lisboa, Mç. 1808, n. 319).

Em 1758, 1760, e 1763 a Ermida aparece como pertencendo ao Conde de Castelo Melhor, que seria então D. José de Vasconcelos e Sousa Caminha Camara Faro e Veiga, depois 1.º marquês de Castelo Melhor (Título criado por D. José I, rei de Portugal por carta de 10-10-1766, cfr. http://www.geneall.net/P/tit_page.php?id=369).

No início do século XIX foi esta quinta vendida a Claudino José Carrilho, passando depois a D.ª Emília Carolina Carrilho Avellar Telles, e em 1909 pertencia aos seus dois filhos.

A Ermida aparece descrita em 1909 como sendo «ornada até meia altura das paredes interiores de bello antigo azulejo, com pavimento de ladrilho». Na mesma altura ainda lá existiam também em tela dois quadros a óleo de S. Pedro e S. Paulo.
Nela se fazia todos os anos a festa de Nossa Senhora dos Prazeres com concorrido arraial e procissão, saindo sobre andores a imagem grande da padroeira e «algumas outras Imagens mais pequenas, das muitas que lá existiram em vulto; procissão que dava volta ao cruzeiro da Via Sacra, a meio kilómetro, o qual ainda existe próximo de uma ponte (1909)» (Fonte: Joaquim José da Silva Mendes Leal, Admirável Egreja Matriz de Loures (…),1909, pp. 182-183)

Descrições:
(1758)
«No Lugar de Palhaes a Ermida de N. S. dos Prazeres na Quinta do Ex.mo Conde de Cast.º Milhor. Com porta Publica».
Fonte: DGARQ-TT, Memórias Paroquiais , Loures
(1760)
«Em a quinta de Palhais do Conde Castelo Melhor [Fl. 45 r] dedicada à Senhora dos Prazeres».
Fonte: Isaías da Rosa Pereira, «Subsídios para a História da Diocese de Lisboa do Século XVIII - Arquivo da Cúria Patriarcal de Lisboa, Visitas de 1760, ms.54»; Lisboa: Acad. Port. de História (Subsídios para a História Portuguesa, 18)
(1763)
«Nossa Senhora dos Prazeres Em Palhaes na quinta que hoje pos sue o conde de Castello Melhor»
Fonte: João Baptista de Castro, Mappa de Portugal antigo e moderno, Volume 3, 2.ª Ed. p. 278
(1909)
«Palhaes – No alto de Palhaes, á esquerda está a casa e terrenos, Morgado pertencente e foreiro ao Convento de Odivellas; e á direita a casa, quinta e pomar, propriedade que fora da titular casa Castello Melhor, que vendida haverá um século passou por contracto de venda para Claudino José Carrilho, pertencendo depois em partilha á Ex. m:ª Sr. a D. Emília Carolina Carrilho Avellar Telles, e hoje a seus dois filhos. A respeitosa Ermida é ornada até meia altura das paredes interiores de bello antigo azulejo, com pavimento de ladrilho. Ainda lá existem em tella dois quadros a óleo, quasi tamanho natural de S. Pedro e S. Paulo; todos os annos se fazia n'esta Ermida a festa do orago e concorrido arraial, sahindo sobre andores em procissão, a grande Imagem de Nossa Senhora dos Prazeres, titular da Ermida, e algumas outras Imagens mais pequenas, das muitas que lá existiram em vulto; procissão que dava volta ao cruzeiro da Via Sacra, a meio kilómetro, o qual ainda existe próximo de uma ponte».
Fonte: Joaquim José da Silva Mendes Leal, Admirável Egreja Matriz de Loures (…),1909, pp. 182-183
(séc. XXI)
A residência ostenta uma elegante escadaria exterior de acesso ao andar nobre, onde se verifica uma sucessão de dependências ornadas de azulejos datados de 1730. Possui capela integrada na fachada lateral. A fachada da capela é dominada por um grande janelão de cantarias trabalhadas e pelo campanário construído, ou restaurado, em 1726. É dedicada a Nossa Senhora dos Prazeres. A quinta pertenceu originariamente aos Condes de Castelo Melhor.

(texto acrescentado em 10 de Junho de 2011)

Quinta de Palhais, Palhais, Loures

QUINTA
«Casa organizada em comprimento e prolongada ainda por construções anexas. Ao longo do caminho toda a correnteza só tem paredes cegas. Ao longo do lado contrário, viradas ao terreiro interior, estão quase todas as aberturas e as duas escadas exteriores que sobem encostadas ao edifício, uma com acesso à "casa de fora" e a outra a um dos corpos anexos. O terreiro é aberto à paisagem, no lado oposto à habitação, e fechado nos lados mais curtos por uma abegoaria e por um braço estreito, com terraço, em frente à porta principal, sob o qual fica o portão de entrada no terreiro. Do lado de fora, na continuidade da parede do portão, tem a residência duas únicas varandas às quais se segue a fachada da capela, corpo rectangular encostado ao comprido do lado cego da habitação. Em frente à porta da capela e à empena da casa há um recinto, outrora semi-público, hoje gradeado.
Segundo a actual inquilina e descendente dos primitivos proprietários (Condes de Castelo Melhor) a casa destinava-se apenas ao recebimento de rendas. No campanário estarão inscritas as datas de 1580, fundação da capela, e 1726, restauro da mesma e da casa.
Exteriormente a construção é simples, rebocada e caiada, as molduras dos vãos são rectas e lisas, e as varandas têm grades com o desenho corrente no século XVII e primeira metade do século XVIII.
As salas do piso nobre, mesmo as muito pequenas, têm altos silhares de azulejo joanino e tectos de masseira. E natural que o piso térreo se tivesse destinado inicialmente a serviços. Obras tanto do século XIX como recentes adaptaram-no também a habitação.
A capela é coberta com abóbada de berço abatido, tem coro, sacristia/corredor atrás da parede do altar e azulejos de finais do século XVII ou princípios do século XVIII que, pelos temas versados, não devem estar na situação original.»

CAPELA
Na fachada principal, de planta base rectangular corresponde a uma das três variantes: a que não tem capela-mor, o que acontece normalmente nas Capelas rurais mais pequenas (por ex. como na Casa de Vila Fria, e nas Quintas da Serra Sassoeiros, da Madre de Deus - Sintra, e da Casa de Massarelos - Caxias). A cobertura da nave é de abóbada de berço.
A Pequena sacristia com duas portas na parede do altar, compartimento rectangular muito estreito, como um corredor, que ocupa em comprimento toda a largura da capela por trás da cabeceira. Tribuna ao lado do altar para utilização dos donos da casa.
Fonte: João Vieira Caldas, A Casa Rural dos Arredores de Lisboa no Século XVIII, 1988, 2.ª Ed. 1999, pp. 64, 75, 76, 394

QUINTA
«Esta casa, construída em 1580, com a sua escada exterior, o seu andar nobre onde as pequenas divisões contíguas, muito arranjadas, são coroadas por tectos em masseira e decoradas por azulejos que representam cestos com flores datados de 1730, aparentemente nada tem de original. Contudo possui algo de bastante raro: a posição da capela, situada na fachada lateral mais estreita, realçada pela cantaria de uma janela e por um campanário. Esta parece ter sido construída ou restaurada em 1726, tal como indica uma inscrição no campanário. Foi consagrada a Nossa Senhora dos Prazeres: «todos os anos se fazia nela uma grandiosa festa com arraial. A procissão dava a volta ao cruzeiro que existia à entrada da povoação...» Curiosamente, no interior, os lambris de azulejos, provenientes talvez de uma demolição, representam cenas de caça. A do leão, quase idêntica à do Palácio do Correio-Mor, que é atribuída a Bartolomeu Antunes por volta de 1740, parece ter sido inspirada pela mesma gravura. A sacristia é decorada de forma clássica, por azulejos de figura avulsa.
A quinta, propriedade dos condes de Castelo Melhor, pertenceu em seguida à família Carrilho Avellar Telles».

Fonte: Anne de Stoop, Quintas e Palácios nos Arredores de Lisboa, 1986, Ed. 1999, p. 370


RUI M. MENDES
Caparica, 31 de Maio de 2011